sexta-feira, 29 de junho de 2007

Orçamento

“O salário do pecado é a morte” poderia estar pixado num muro sobre um desenho de Basquiat. Mas saía de sua boca, pouco antes da morte, do desenlace embaraçoso e quase insano. Não sei muita coisa sobre isso. Não estava lá. O aviso foi claro e me preparei, me retirei e sorri pro esquife, mais gordo e tranqüilo. Custo a entender esse tempo. Um tempo que passa não programadamente e se repete e esbarra em si mesmo e que me gira e entorna meu copo e que não cura nada. Talvez entulhe. Talvez anule. Talvez segure. Talvez encurte. Talvez desista. Mas não cura. Nada até agora diz o que falta. A falha não cabe aqui. O hiato se perde entre o dia de sol e a veneziana. E as sombras artificiais somente ressaltam as manchas que deslizam pelo corpo entorpecido pela impotência, pelo cansaço de ter pena de si mesmo. Foi mais um dia. Aquele e esse. A terra vermelha, o dia cinza, de vento amarelo. Um dia de refletir a fome que os vermes manifestam. Uma fome encomendada, orçamentada em toda fatura de vida. Quanto custa esse precioso serviço? O divino cobra quando menos se espera e o humano se manifesta onde menos se quer. Faturas diárias de vidas fraturadas. Futuras dívidas de dias frustrados. Assim se esquece o céu. E os olvidados respiraram antes da próxima bruma. Aliviados os anjos ignoraram os preferidos. Eu penso em fama, em ato falho constante. Penso em fome e amor. Duas coisas que faltam a cadáveres. Há uma terceira que só os vermes sabem. Penso no descrédito que alimento. A falta de forma da qual ela me acusou. Mas moldo o informe porque posso tecer com fios de aço inox reluzente. E invento armaduras que ameaçam os tolos e afastam os desprevenidos. Os poucos que avançam nunca voltaram para contar. Há um limite ali. Um juramento silencioso. O advento licencioso de uma calma de fio afiado que talvez retalhe o tempo. Talvez traga de volta pequenos enigmas que a criança adorava encarar. Pequenos delitos que a sisudez adulta obriga ainda a se esconder. E o corpo pode voltar a jazer. Nunca inerte porque há sempre algo que pulsa. Algo que anula a irresistível vontade do nada. Há algo que puxa, junta a memória com o porvir da carne. É então que se percebe que a vala é comum. Chamada, talvez, planeta. Então se percebe que não acaba. Simplesmente um prazo se esgota. E há sempre alguém na fila. Agora que o corpo sabe o preço que paga.

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