segunda-feira, 19 de maio de 2008

Luminoso

Da vida espero. A vida não é mais do que essa espera. A vida é sempre a separação. Do amanhã. Aparta-nos. A vida aponta. A vida colhe. A vida aborta. Em nossas mentes-cemitérios. Sementeiras de vida. Que falham. De que falam as avenidas. Dos mistérios da vida. Sabe-se tão pouco. Aponto o dedo. Descubro o medo. Que passa frio. Tremo. Eu rio. Escorro. Teme o desrespeito. Temo ser visto com ele. Elegantemente escondo-o. Hóspede em mim. Eu guardo pra nós dois. Aguardo até depois. Não desculpo. Medo se divide. Como a vida. Dívida de vida. De culpa. Vida dói. Corrói a posteriori. Destrói os limites do amanhã. Porque suponho que vida não existe. Suponho que você não existe. Não hesite em gritar. Há modos. Há mundos. Medologia. Há máscaras. Mascaramos. Mão demão arte-final. Não há embriaguez. Esse tempo já passou. O porre. A ressaca. Vêm a seco. São diários. São santos. São bentos. Como a fábula em que te contei. Pra mim. Não há mistério. Posso ver. Está lá. Prefiro o desvio. Me firo. Nos afluentes se gastam as palavras. Rio. Vida. Sangue. Flui nas veias do chão. Na corrente jogo todas as tintas. Não é por mal. É ritual. Te afogo nesse arco-íris corrente. Apagam-se nossas cores. Adiante se sabe. O mar. O sal que anula. Esse caminho de águas. Léguas de solidão. Vida é solidão com intervalos de sono. Vida é a porrada. Rebelião. Fissura. Fratura. Conformidade. Enfim. Vida é tela de uma só cor. Sem matiz. Vida é calabouço. É lição. Cicatriz. Cala a boca agora. Espreme essa razão. Esse totem. Abre a ferida. A vida cicatrizada. Casca de ferida é medo. Sempre cedo pra arrancar. Deixa cair. Sem abismo. Sem fundo. Sem precipício. Sem aviso. Vai chegar. O trem. De muitas horas. De muitos muros. Duros espartilhos na cintura da vida. Ao longo do tempo. Vagando o trem. Em estrada de sonho. Aberta a lápis. Lapidada a vácuo. Vacilo ao dizer. Tributos e tortas. Cinema mudo. Pastelão. De vento. De teorias furadas. Papelada. Painel. Pinel. Cinzel. Cinzas da vida. Que como Fênix ressurge. O espanto. Pranto seco. Panos quentes. Sem revolta. Toada de todo dia. Tom de todo dia. Tormento de todo dia. Retorno de todo dia. Uma mulher vem. Com um balde de vida na cabeça. A filha avança. Com um bolo de vida no ventre. O filho virá. Com sede de vingança. O homem virá. Filho do menino. O menino desprezará a ciência. Faca amolada e fuga. As pequenas causas. Mais importa a honra. Quando chegar a hora. Desarme o peito. Amarre o vício. Vida vicia. Vida vigia. Vida é viga. Nada sustenta. Mas falta. Que derruba. Paralisa. Perdi o fio. Arranquei a linha. Tenho a vida nas mãos. Nos olhos. Nas unhas sujas da terra que cavo. Caverna e luz. Vida engarrafada. Lentidão. Lassidão. Letargia. Todo dia. A vida finge que espera. Que prepara. Dispara o tiro. Certeiro. Eu erro. Todo dia. Eu alvo. Todo dia. Luminoso.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Completo

Queria um desenho. Fazer um desenho. Do tamanho do mundo. Que coubesse o mundo. Que eu conheço. Todo mundo. Do tamanho que eu conheço. Um mapa impossível. Do tamanho de tudo. 1:1. Queria ter tintas. Dessas que a natureza inventa. Queria tingir. Queria atingir. Ter por perto o céu. Roxo. Ter por perto o seu rosto. A mais verdadeira falsidade. Queria fingir. A derradeira castidade. Queria morder. Nó no peito. Queria morrer. Só no leito. Não. Sozinha. Cópia pequena. Queria remedar o mundo. Queria remendar o mundo. Queria-te por lá. Queria te ver lá. Queria o mundo assim. Em arco-íris. Queria arcar com tudo isso. Queria acabar com tudo isso. E vêm teus céus. E vêm tuas células. E vêm tuas naves. E navegas nessa memória impossível. A memória do mundo. E construo em palavras. As teias que te cercam. Seguram teu imenso. Suspenso me apodero. Em p&b. Mas rajas meu espaço. Rasgas meus contornos. Tomas meu braço. E leva-me. E leve. Me aconchego. Chego a desistir. Mas rir agora não rola. Queria um choro. Desconhecido. Decidido por ninguém. Caos arcaizante. Dessas maneiras de falar de coisas. Queria um desenho simples. Linhas que te dissessem. Porque desenho em letras. E pinto em sons. Alfabetalizo teu riso. Aterrisso em tuas luas. E preciso disto. Das linhas. Não quebro. Porque não importa. Importam as imagens. Importam paisagens. Se bem que nada importa. Proseamos bem assim. Passeamos nestas estrelas. Que aqui o céu. Semeado por tua mão. Sondado por homens. Singrado por deuses. E a tua palheta contempla. Completa os seus rastros. Magia. Dias cinzas têm seu papel. E adormeço no meio da tarde. E arde esse tom. Toma minha mão e guia. Cria. Sopra a vida. Vidra esse corpo. Vibra esse morto. Estilhaço. Vidro e mosaico. Começa assim. Depois a luz. Se diz que antes. A tela em branco. Começo. Sou o primeiro ponto. Sou o reflexo. Flexão de criador. O que o torna. Mas sou expulso. Porque na tela. Já não pertenço. Imenso. Sou o mapa impossível. Intenso. Sou o nada visível. Soul nada. Soul todo. Almanaque de desejos. Nascido do bloco ao lado da cama. Engana negar. Esculpido em memória. Narrado em silêncio. Dito. Ditado. Rabisco vagaroso. Risco gracioso. A regra do preguiçoso. Porque é preciso negar. Nada que custe. Costeio essa borda. Chão e cavalete. Adentro o foguete. Teto. Testo. Texto. Vôo. Arranco tinta. Por mais que eu minta. O mundo não cabe em si mesmo. Queria correr o risco. Corisco nesse céu de maio. Desmaio no deserto. Aberto sobre o mundo. Acerto por um segundo. Queria percorrer o risco. Arisco nesse pedaço. Arrisco nesse espaço. Manchas que me digam. Mantras que mendigam. Não é assim. Não é ruim. Ruínas resolutas. Absoluto calvário. Vario e rio. Hoje eu quero ser um mapa. Maior que o mundo. Contendo o mundo. Fissura do peito. Pangéia. Teu leito. Teu totem. Que notem. Sósias em precipício. Somos cópias. Despidas de princípios.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Memorioso

Todas as noites os matadores de rosas vão. Insanos. Parecendo. Se não fosse quase santo o seu ofício. Delicados. Estrangulam-nas. E não há freio em sua jornada. Não há feio. Nada a equilibrar. Sem esforço. Sem gosto. Há véu. Silêncio. E um terceiro elemento sempre em falta. Matam o tempo. Em tacadas úteis. Arrancam úteros. Condenam mães. Mas a manhã é vermelha. E o orvalho brilha. Anuncia. Do dia não espere. Vá. É vermelho o cabelo. Velotroz da memória. Quando eu era pequeno derrubei uma garrafa e talhei a linha da vida. Qual a verdade sobre essa cicatriz sobre a palma dessa mão senão memória que não a minha. Eu era pequeno. Jamais o soluço inocente. Só a cicatriz é memória. Esse fio vermelho de sol. Solto na tela. Terá amanhã esse fogo. Chamas assim não se apagam. Esmagam as pétalas. Jardim é memória. Fugidia. Dia todo. Constante florescimento. Nem nota-se o falecimento. Tristeza que aponta. O dia seguinte. Vai florescer. E há sol. Há ela. Há tela. Há nela. Janelas-de-sem-fim. Os matadores são frios. Gelados na verdade. Diferente não. Amam o que fazem. As rosas também. Os amam. Pelo que são. Poderiam viver. Mas matadores kamikazes deixam todos os rastros. E seus restos exalam o perfume do dia. Tinto. Como um pulso. Um brilho. Tente. Levante. Uma bandeira branca. Para que o dia se misture. Tonto. Eu pincelo o silêncio. Ela na tela faz barulho. Eu no canto. Entulho. Trabalho. Quem pra velar as pétalas. Quem pra fazer cena. Quem pra gastar um gosto. De real somente. As pegadas deles. O modus operandi. Esperando eu talho. Em linhas que serão memória. As rosas não falam. Não choram. Brancas serão vermelhas. E as centelhas que ela. Derrama na tela essa dor. De parto. De morte. De tato. De corte. De fato. De sorte. De perto é pele. De resto aquece. Um rosto desliza. E avisa há lacuna. Acúmulo. E teorias. E incidência do feixe. Dilua. E louvo. Ouço o eco. É como a badalada. Si no. Senão voltar atrás. Atravesso essa linha pixelada. Picho muros de além-mar. Piso murchos pedaços de céu. Sementes de anjos. O avesso ela vê. E nada é igual. Lá e cá. Lá ou cá. Lado a lado. Os matadores cumprem a missão. As rosas cumprem o ciclo. A tela e ela negam. A morte desiste diante. E a linha desordena o caminho. O corte que é veia. Eu era pequeno. Não sabia de mim. Nem deles. Nem da linha. Veloz traz. Velotroz da infância. Distâncias impercorríveis. Memória em tintas. Ela me lembrará sempre colorido. Eu a lembrarei em letras. Eu-rascunho. Desenho de não ser. Eu pretexto. Ela integral. Quem entregue. Quem pretende. Viver as coisas do futuro. Porque ele nunca existirá mesmo. Um neologismo a mais. Laboratório intenso de presente.