terça-feira, 26 de agosto de 2008

Aninverso

Grito pra dentro. Quem ouve. Querelas. Querê-las. Pecado. Pia batismal suja. De sangue primeiro. Pioneiro vagar. Pescado santo. Pano branco. Pecando tanto. Pra quê tanto. Tempo esvazia. O mal tripudia. Hábito negro. Noite. Em Roma. Rotina. Sina vermelha. Quem olha de esguelha. Casaco de inverno. Fugindo ao clichê. Vermelho ferrugem. Penugem insípida. Corrói o metal. Ácido o beijo. Desejo retido. No reto a cura. Na reta a curva. Mortal. Tal qual a sina. Deve haver milhares. Guardo um rebanho. Rebento de tanto. Tenho tanto medo. Meço a miséria. Milhas. Milhas. Milhos. Milharal. Planalto. A inocência correndo. Planando. Trigueira ao meio-dia. Diário de campo molhado. Suor. Serei pouco. Sereia pousa. Desce do céu. Sem véu nem mais. Metade rasgada. Devorada em plena praia. Prazeres. Prazos. Presilhas. Pestanas. Persianas fechadas. Fachadas. Chiclete mascado. Conflito marcado. Amor sem peias. Como o mel que apodrece. Fel. Fenece qualquer um. Ida. Ao céu. Partida circular. Deusa que protela. Protejam-se. O fim. Da linha. É ali. O espaço. Sidéreo vagar. Nuvens de metal. Matei a alga voadora. Matei aula. A vida inteira. Aula mata. Casa mata. Rua mata. Mata cachorro. Mata linguagem. Meta na buceta. O buraco que cabe. Cabelo. Cabeça. Caralho. Carcaça. Desgarro. Desgraça. Catarro. Propaganda de cigarro. Extinção. Maldito olho. Imolação. Amolação involuntária. Desintoxicação. Corro. Não morro. Mato. Não cato. Catarse de butiquim. Assim como. Como. Não há volta. Parafuseio o óbvio. Lamento. Lamento. Nada. Cresce em espirail. Mal respiro. Piro. Tecnologia. Pirotecnopirataria. Cereal matinal. Killer de crianças. Asesino de niños. Matador des enfantes. Largada. Largura. Larvas. Litoral. Leite. Leite. Leite. Toma. Branco. Toma. Preto. Negro suco. Bezouro suco. Nunca três vezes. Espelho nascente. Derreto o feto. Decreto e meto. Direito perverso. Deleito. Escalo. Scat. Orgias. CD. Vulgo análisis. Ana. L. Labirinto. Lar. Gosma sugestiva. Festa anormal. Goma mascada repetidamente. Máscara. Que volta. Revolta. Escolta. Solta. Como um peido torto em Amsterdã. Um pedido. Causa vã. Ato de ter pena. Hálito maculado. Penalidade máxima. Meta. Mete. Ouro. Mete. Oro. Em vão. Vão. Vão. Vão. Aberto. Arregaçado. Passo. Agradeço. Desço. Despeço. Demito. Me jogo. Logos. Logomarca na lua. Logorréia. Lotérica. Lance os dedos. Desmanche o prazer. O penteado. Fraseado banal. Fracassado. Banido. Bandido. Brandindo. Adoidado. Dourado. Banho. Dourado. Domando. A histeria do limite. Atormenta. Alimenta. A lágrima. Tic do momento. Memória e história. Fundidas. A ferro. A fogo. Alegoria fudida. Farrapos. Centelhas. Toadas alheias. Alergia. Alegria. Como consolos enormes perdidos. Marcas a dentro. Delicadas preces. Dormentes desejos. Me guie. Guarda. Dor. De mim.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Lacunar

Tudo diz esse silêncio. Tudo diz nesse silêncio. Tudo aspira esse ar. Tudo respira nesse lar. Um surto de vida me invade. Tudo disputa. Essa lacuna. Tudo arde. Tudo se desculpa. Um susto me impede. Tudo cabe. Que sobra. Tudo sabe. Que cobra. Tudo se anula. Tudo se sepulta. Tudo se junta. Em coro. A chuva lá fora. Chora. Choro. Tudo assunta. Todo assunto. Diz. Tolo argumento. Todo momento. Tão completo. Infeliz. Esse erro. Essa falta. Que mata. Tão complexo. Ser. Questão de escolha. Escola do que não olha. Para trás. Nada mais. Que passos frios. Rios. Congelados. Minutos. Que não voltam. Tirano. Esse tempo. Que não volta. Destino. Despindo. Tirando. Qualquer coisa. Tudo. Esse. Tudo. Mudo. Não cala. Fala. A casa. Fala. O frio prata da torneira. Geme. A sacola apalpada. Treme. A luz apagada. Queima. O olhar. Chama. Essa vela. Range. Essa porta. Grita. O louco lá fora. Agita. O tempo. Todo. Toda hora. Comemora. Come. As horas. Com memória. Com medo. Com. Medido. Esforço. Mal. Dito. Me dito. Agora. Medito. Com eles. Como eles. Como tudo. Como todos. Como então. Como até lá. Retém. Tudo. Congela. A voz da panela. A grafia da janela. O esquadro da chaleira. O prazo da cadeira. Cadeia. O piso. Cela. Serra. A faca. Corta. A idéia. Morta. Chia. Água. Chimia. É apenas café da manhã. E vão torcer. Varais. Varões. Vassouras. Louras. Morenas. Moendas de jamais. Mas mesmo assim. Cinzas. Subirão. Saberão. O céu azul. A Lua. Nova. Portão. Pulado. O tempo todo. É outro. O tempo. Tudo. É noutro. O tesouro. É neutro. Noticia de tolo. Talento. Sem dentes. Agora. Como. A aurora. Como. A auréola. Como. A maçã. Como. O pé. Cato. Cada fruta. Furta essa cor. Logo. Ligeira. Desaparece. Esse meio tom. Toma. Leva. Levita. Que é tempo. De evitar. A queda. De tudo. Sobra. Sempre. Dentro. A dobra. Demais. É pedir. Perdão. Não fiz. Não faz. Mal. Seria. Mentir. Seria. Morder. Cada palavra. Cada palácio. Cada pedaço. Cada. Percalço. Não é seu. Medir. Seria. Moer. Cada pedra. Pedir. Pagar. Pesar. Paráfrase. De mim. Não resta. Não veio. Vejo. Logo. Amanhece. Desce. O sol. Lá. Caio. De tudo. Lá. Cansado. Sujeito. A sangria. Do eu. Nada resta. Tudo é limite. Latindo. Ladrando. Os bolsos. Escutam. Vozes. Veladas. Dores. Brancas. Como. A vela. Como. A chama. Amarela. Girando. Só. Turno do dia. Torno a voltar. Tudo entorno. Contorno. Torto. Como. Torta. A vida. Levanta. O olho. Vê. Já. Vai. Longe. Sacro ofício. Se sempre. Se. Meia. Ver. Dar. De ombros. Detido. Retido. Retina ciente. Cliente do rito. Arrisco um palpite final. Em sulfite. O papel. Como. A pele. Alvo. Repousa. Dorme. Dormente. Alva. Suficiente. Pára. Corroer. Como. Ferrugem. Pára. Doer. Como. Fuligem. Pára. Adormecer. Como. Aço. Adoeço. Sem palavras. Me. Assemelha. Esse vulto de vida. Me. Rejeita. Re. Vida. Me. Re. Vira. Me. Espelha. Me. Espera. Pára. Sempre.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Luminoso

Da vida espero. A vida não é mais do que essa espera. A vida é sempre a separação. Do amanhã. Aparta-nos. A vida aponta. A vida colhe. A vida aborta. Em nossas mentes-cemitérios. Sementeiras de vida. Que falham. De que falam as avenidas. Dos mistérios da vida. Sabe-se tão pouco. Aponto o dedo. Descubro o medo. Que passa frio. Tremo. Eu rio. Escorro. Teme o desrespeito. Temo ser visto com ele. Elegantemente escondo-o. Hóspede em mim. Eu guardo pra nós dois. Aguardo até depois. Não desculpo. Medo se divide. Como a vida. Dívida de vida. De culpa. Vida dói. Corrói a posteriori. Destrói os limites do amanhã. Porque suponho que vida não existe. Suponho que você não existe. Não hesite em gritar. Há modos. Há mundos. Medologia. Há máscaras. Mascaramos. Mão demão arte-final. Não há embriaguez. Esse tempo já passou. O porre. A ressaca. Vêm a seco. São diários. São santos. São bentos. Como a fábula em que te contei. Pra mim. Não há mistério. Posso ver. Está lá. Prefiro o desvio. Me firo. Nos afluentes se gastam as palavras. Rio. Vida. Sangue. Flui nas veias do chão. Na corrente jogo todas as tintas. Não é por mal. É ritual. Te afogo nesse arco-íris corrente. Apagam-se nossas cores. Adiante se sabe. O mar. O sal que anula. Esse caminho de águas. Léguas de solidão. Vida é solidão com intervalos de sono. Vida é a porrada. Rebelião. Fissura. Fratura. Conformidade. Enfim. Vida é tela de uma só cor. Sem matiz. Vida é calabouço. É lição. Cicatriz. Cala a boca agora. Espreme essa razão. Esse totem. Abre a ferida. A vida cicatrizada. Casca de ferida é medo. Sempre cedo pra arrancar. Deixa cair. Sem abismo. Sem fundo. Sem precipício. Sem aviso. Vai chegar. O trem. De muitas horas. De muitos muros. Duros espartilhos na cintura da vida. Ao longo do tempo. Vagando o trem. Em estrada de sonho. Aberta a lápis. Lapidada a vácuo. Vacilo ao dizer. Tributos e tortas. Cinema mudo. Pastelão. De vento. De teorias furadas. Papelada. Painel. Pinel. Cinzel. Cinzas da vida. Que como Fênix ressurge. O espanto. Pranto seco. Panos quentes. Sem revolta. Toada de todo dia. Tom de todo dia. Tormento de todo dia. Retorno de todo dia. Uma mulher vem. Com um balde de vida na cabeça. A filha avança. Com um bolo de vida no ventre. O filho virá. Com sede de vingança. O homem virá. Filho do menino. O menino desprezará a ciência. Faca amolada e fuga. As pequenas causas. Mais importa a honra. Quando chegar a hora. Desarme o peito. Amarre o vício. Vida vicia. Vida vigia. Vida é viga. Nada sustenta. Mas falta. Que derruba. Paralisa. Perdi o fio. Arranquei a linha. Tenho a vida nas mãos. Nos olhos. Nas unhas sujas da terra que cavo. Caverna e luz. Vida engarrafada. Lentidão. Lassidão. Letargia. Todo dia. A vida finge que espera. Que prepara. Dispara o tiro. Certeiro. Eu erro. Todo dia. Eu alvo. Todo dia. Luminoso.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Completo

Queria um desenho. Fazer um desenho. Do tamanho do mundo. Que coubesse o mundo. Que eu conheço. Todo mundo. Do tamanho que eu conheço. Um mapa impossível. Do tamanho de tudo. 1:1. Queria ter tintas. Dessas que a natureza inventa. Queria tingir. Queria atingir. Ter por perto o céu. Roxo. Ter por perto o seu rosto. A mais verdadeira falsidade. Queria fingir. A derradeira castidade. Queria morder. Nó no peito. Queria morrer. Só no leito. Não. Sozinha. Cópia pequena. Queria remedar o mundo. Queria remendar o mundo. Queria-te por lá. Queria te ver lá. Queria o mundo assim. Em arco-íris. Queria arcar com tudo isso. Queria acabar com tudo isso. E vêm teus céus. E vêm tuas células. E vêm tuas naves. E navegas nessa memória impossível. A memória do mundo. E construo em palavras. As teias que te cercam. Seguram teu imenso. Suspenso me apodero. Em p&b. Mas rajas meu espaço. Rasgas meus contornos. Tomas meu braço. E leva-me. E leve. Me aconchego. Chego a desistir. Mas rir agora não rola. Queria um choro. Desconhecido. Decidido por ninguém. Caos arcaizante. Dessas maneiras de falar de coisas. Queria um desenho simples. Linhas que te dissessem. Porque desenho em letras. E pinto em sons. Alfabetalizo teu riso. Aterrisso em tuas luas. E preciso disto. Das linhas. Não quebro. Porque não importa. Importam as imagens. Importam paisagens. Se bem que nada importa. Proseamos bem assim. Passeamos nestas estrelas. Que aqui o céu. Semeado por tua mão. Sondado por homens. Singrado por deuses. E a tua palheta contempla. Completa os seus rastros. Magia. Dias cinzas têm seu papel. E adormeço no meio da tarde. E arde esse tom. Toma minha mão e guia. Cria. Sopra a vida. Vidra esse corpo. Vibra esse morto. Estilhaço. Vidro e mosaico. Começa assim. Depois a luz. Se diz que antes. A tela em branco. Começo. Sou o primeiro ponto. Sou o reflexo. Flexão de criador. O que o torna. Mas sou expulso. Porque na tela. Já não pertenço. Imenso. Sou o mapa impossível. Intenso. Sou o nada visível. Soul nada. Soul todo. Almanaque de desejos. Nascido do bloco ao lado da cama. Engana negar. Esculpido em memória. Narrado em silêncio. Dito. Ditado. Rabisco vagaroso. Risco gracioso. A regra do preguiçoso. Porque é preciso negar. Nada que custe. Costeio essa borda. Chão e cavalete. Adentro o foguete. Teto. Testo. Texto. Vôo. Arranco tinta. Por mais que eu minta. O mundo não cabe em si mesmo. Queria correr o risco. Corisco nesse céu de maio. Desmaio no deserto. Aberto sobre o mundo. Acerto por um segundo. Queria percorrer o risco. Arisco nesse pedaço. Arrisco nesse espaço. Manchas que me digam. Mantras que mendigam. Não é assim. Não é ruim. Ruínas resolutas. Absoluto calvário. Vario e rio. Hoje eu quero ser um mapa. Maior que o mundo. Contendo o mundo. Fissura do peito. Pangéia. Teu leito. Teu totem. Que notem. Sósias em precipício. Somos cópias. Despidas de princípios.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Memorioso

Todas as noites os matadores de rosas vão. Insanos. Parecendo. Se não fosse quase santo o seu ofício. Delicados. Estrangulam-nas. E não há freio em sua jornada. Não há feio. Nada a equilibrar. Sem esforço. Sem gosto. Há véu. Silêncio. E um terceiro elemento sempre em falta. Matam o tempo. Em tacadas úteis. Arrancam úteros. Condenam mães. Mas a manhã é vermelha. E o orvalho brilha. Anuncia. Do dia não espere. Vá. É vermelho o cabelo. Velotroz da memória. Quando eu era pequeno derrubei uma garrafa e talhei a linha da vida. Qual a verdade sobre essa cicatriz sobre a palma dessa mão senão memória que não a minha. Eu era pequeno. Jamais o soluço inocente. Só a cicatriz é memória. Esse fio vermelho de sol. Solto na tela. Terá amanhã esse fogo. Chamas assim não se apagam. Esmagam as pétalas. Jardim é memória. Fugidia. Dia todo. Constante florescimento. Nem nota-se o falecimento. Tristeza que aponta. O dia seguinte. Vai florescer. E há sol. Há ela. Há tela. Há nela. Janelas-de-sem-fim. Os matadores são frios. Gelados na verdade. Diferente não. Amam o que fazem. As rosas também. Os amam. Pelo que são. Poderiam viver. Mas matadores kamikazes deixam todos os rastros. E seus restos exalam o perfume do dia. Tinto. Como um pulso. Um brilho. Tente. Levante. Uma bandeira branca. Para que o dia se misture. Tonto. Eu pincelo o silêncio. Ela na tela faz barulho. Eu no canto. Entulho. Trabalho. Quem pra velar as pétalas. Quem pra fazer cena. Quem pra gastar um gosto. De real somente. As pegadas deles. O modus operandi. Esperando eu talho. Em linhas que serão memória. As rosas não falam. Não choram. Brancas serão vermelhas. E as centelhas que ela. Derrama na tela essa dor. De parto. De morte. De tato. De corte. De fato. De sorte. De perto é pele. De resto aquece. Um rosto desliza. E avisa há lacuna. Acúmulo. E teorias. E incidência do feixe. Dilua. E louvo. Ouço o eco. É como a badalada. Si no. Senão voltar atrás. Atravesso essa linha pixelada. Picho muros de além-mar. Piso murchos pedaços de céu. Sementes de anjos. O avesso ela vê. E nada é igual. Lá e cá. Lá ou cá. Lado a lado. Os matadores cumprem a missão. As rosas cumprem o ciclo. A tela e ela negam. A morte desiste diante. E a linha desordena o caminho. O corte que é veia. Eu era pequeno. Não sabia de mim. Nem deles. Nem da linha. Veloz traz. Velotroz da infância. Distâncias impercorríveis. Memória em tintas. Ela me lembrará sempre colorido. Eu a lembrarei em letras. Eu-rascunho. Desenho de não ser. Eu pretexto. Ela integral. Quem entregue. Quem pretende. Viver as coisas do futuro. Porque ele nunca existirá mesmo. Um neologismo a mais. Laboratório intenso de presente.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Implosivo

Não há chão de estrelas. Chão de estrelas é ilusão. Chão de estrelas é só ilusão. Há abismo e lentidão e uma terceira coisa oculta na matéria negra. Um pôster. Papel de parede cósmico. Intervenções envenenadas. Intenções envelhecidas. Meninas mimadas. As estrelas. Seu jogo de vida interna. Ira pirada. Piratas siderais. Pirotecnopirataria. E tê-las no meu quintal. O que significam as marcas no céu. Rugas da eternidade. É tê-las no meu quintal. Fugas na verdade. Objetos afinados. Fins-não-lucrativos. Art noveau paraguaja. Guadalupes e galopeiras. A Armação e a Guanabara. Paraíso-purgatório-inferno. Numa noite de outono. No ano novo antes do outro ano. Sempre novo. Ouro brilha naquela. Na tela da janela. O esquadro de uma madrugada zilionária. Uma saudade que se sabe inalterável. Como olhar por outros olhos. Buscando o que só é mais além. Longe de linguagem. Longe do logos. Logo morto. Ligado a tudo que pulsa. Inerte diante da aspereza da vida. Sem pular etapas. Babel deve morrer quando é hora. Babilônia deve sucumbir. Sodoma e Gomorra devem ser lembradas. E Desterro improvisada na laje do aterro. Terror de todos. Tributos e tormentas. Aterrorizado o medo corre. Mas a seqüência existe sem direção. Direto no peito. No lado direito. Ditando uma carta ao vizinho. Sozinho e trancado. Farto da falta que invita. Nativos que bailam. Corpos mortos por antecipação. Pelo silêncio que exala do não. E fala. E me cala. Porque há eus imprecisos nessa sala. E há saldos nunca descontados. Impérios e sinas. Sinais só óbvios no dia seguinte. Objetos enfileirados. Como todo processo vital. Vai ficar escuro. Vão fechar as portas. Vai chover. Vão beber os estoques. E os dados sempre vão rolar. Viciados e sorridentes. Inválidos. No final. A mesma frase. O contorno da luz desviada. A fase em que estamos. A face que se oferece. O furor que nunca consome tudo. O terror que reside uma vez só. O hálito do messias envenenado. Não vim pedir lugar. Nem declamar ou reclamar. Só se vive de realidade. Uma vez. Imitatio dei. Deitem-se os dogmas e abram-se as portas da cozinha. Calendários vencidos vegetam na parede dos fundos. Onde o luto cósmico resiste. Onde reside esse texto. Onde esse hiato manifesto. Onde esse teto sem alma. Onde esse alarme incomum. Onde o tato. Tanto vagar. Tonto o sono eterno. Tenro o aspecto real. Não há magia. Como não há chão de estrelas. Há ilusões e ascetas. Certezas e pérolas. Vilanias de um sol morto. Um deus-sol-morto. Absorto o pirilampo. Em sua imensidão de estrela. Desordenado vaga. Lumescendo em órbita desinteressada. Uma saudade que se sabe desintegrada. Denso afeto de pedra. Tensa tarefa de perda.

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Imagem: Sami. Imploviso. acrílico sobre tela. 50cm x 70 cm. 2008.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Esculpido

Onde andou minha voz. Essa puta maldita. Cansada de promessas de Armagedon. Onde amarrou seus burros. Seus vícios. E uma terceira idade sempre escondida. Quem poliu minha voz. Quem pulou minha voz na sarjeta. E sorriu. Quem empalou minha voz com uma gorjeta. Quem liderou o projeto que a liberou. De mim restaram pregas mortas. Não mais cordas soltas. Morreu o violão. Não mais notas tolas. Eu fui o vilão. E a surpresa gorou na véspera. Espera até o final. Espera teu final. Os fracos dormem mesmo sem sono. E correm todo dia o dia todo. Os fracos adoram o sêmen do dono. E morrem todo dia o dia todo. Menos ela. Que prepara o café. Não sabe de nada. Da força que tem não desconta em ninguém. Não sabe se sofre. Porque não quer saber. Porque não sabe. Porque não precisa saber. Seu nome são muitos. Seus nomes são mantos. Seus dons são santos. E ela apenas prepara o café. Muda de tudo. Em câmera-lenta. É o ensaio perfeito. Insidioso namoro da lente. Mas ela tem decoro. E nenhuma pressa. Ela não existe. Talvez sino. Talvez vitrine. Quem escalpelou minha voz. Quem lhe alterou a vazão. Quem em vôo rasante. Despeça-se o agora. Dispa-se o restante. Dissipe o resgate. Despiste o tirano. Tirando ela. Orgia nunca restituída. Quem seduziu minha voz. Quem amou e torturou. Quem levou-a ao limbo. Pra sempre muda. No espelho de todos os tempos. Quem aquelas mãos que. Quem esculpe o escorrer da lágrima. Pois a voz chora. Desculpa esfarrapada. Permaneça e permaneça. Gesto inalterado. Como grito acenado. Aceitando. Acato e me desarmo. Porque amo. Quem aquelas mãos que. Quem aquelas mãos que. A voz retida em tom sincero. Assevero que morro. Mais que um dia. Morro todo dia. Morto todo o dia. Quem aquelas mãos. A voz retida em som sintético. Anestético tema. Teima minha querida. Teimosia também canta. Ela encanta. Fazendo o café apenas. Dispensa sabor. Catequiza o calor. Despede o freguês. Hoje o dia é só dela. Quem aquelas mãos que. Sintomas de outono. Outro disco voador. Sim. Tomas os comprimidos. Que a voz volta. Que a voz solta. Que a voz arrota. Que a voz torta. Que a voz... morta ela despede-se de si. Apenas o vagar. Não importa a cozinha. Não importa sozinha. O tempo pára por aqui. Em emissões que dispersam. Essa franqueza dita real. Ela persegue a fraqueza. E serve mais café. Quem aquelas mãos que. Quem aquelas mãos que. Desserviços imprestáveis. E o ranço de uma noite lenta. Quando a voz retorna modorrenta. E retoma o controle. E remonta o rancor. E acorrenta o celibato. E solta seu hálito. A voz é só hábito. Mas quem aquelas mãos que. Habito. Quem aquelas mãos. Quem aquelas mãos que. Desisto.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Solar

Talvez fosse esse o movimento. Um de rotação outro de translação e um terceiro que faz achar que nada mudará. Um sinal que se desprende. Uma fúria que repreende incautos. A benção dos acomodados. Mas haveria de pisar na Lua. Insistir que não existe armação. E comprar comprimidos estranhos para pura diversão. Talvez fosse a esquina e o bloco tremendamente saliente. O bloco de gelo em seu peito. Cigarros despertos para aplacar o frio. Como fosse sempre o fim. Uma brasa que leva a outra e mantém a chama sempre acesa. Pode não haver esperança. Mas haverá uma brasa morna e cinzas no último dia. Haverá uma lanchonete aberta. Haverá garis na rua. Haverá tudo quanto é tipo de resto. Amontoados restos de rostos. Alegrias definhadas na sarjeta da avenida. Mas afinal o que vale é isso. Rodar sobre o próprio eixo. Em não se achando nada roda-se como pião. Acomodar-se como passageiro de si mesmo. Talvez fosse só a calma e a indiferença. A manutenção do estágio intermediário. Aquela linha tênue que nunca se ousa perder. Mesmo quando se insiste que se perdeu. Todos os fios desgarrados. Emaranhado de identidades. Anônimos singularmente clonados de si mesmos. Odores em confusão. Há combustão nos passos que levam a algum lugar. Sempre queima um resto de alma em algum lugar. Sempre sobra um pouco de lama em algum lugar. Sempre há alguém. Sempre há algum lugar. Mesmo depois que as portas fecham. Depois que o efeito Doppler distorce as marchinhas que passam. Depois que a massa do caráter volta ao normal. Ou mais inchada que nunca. Mas afinal não é isso que importa. Poder fechar as janela e dormir mil dias. E não se lembrar. Ninguém vai lembrar. Nem vão dizer se lembrarem. Afinal ninguém diz. Não é polido. Ao menos dessa vez. Ninguém é de ninguém mesmo no dia seguinte. Uma fina máscara cobre a todos e protege a intimidade. Cubra o rosto e descanse. Aos poucos o caminho se recompõe. Desperte os ossos e garanta que ainda há olhos. Nada mais há. Os restos vão para o monte e confundem-se com o movimento do gari que rodopia sobre o eixo de sua vassoura. Sonhando uma avenida só sua. Sambando uma alegria só sua. Desejando uma terceira coisa que os restos evidenciam. Enquanto isso o sol se levanta e acende o pavio de sua ressaca.

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sábado, 26 de janeiro de 2008

Deserção

Como uma porta que se abre e encaixa dois mundos que nunca quiseram ser o mesmo. Um dentro, um fora e um terceiro e inexistente vão que teima que existe. Onde isso de matar o tempo através da areia que se deposita na pele. Desertos ardem na intolerância de inúmeros aprendizes. Desertos desistem na calma sem horizonte do mestre. Como a pedra que viaja no tempo. Rumo ao fim dos relógios. Havia um homem nu numa torre. Ele dizia que o sino jamais badalaria as horas novamente. O tempo estava morto. E de fato aquele homem nunca morreu. É preciso fazer as coisas que apetecem ao lado inquebrantável do espírito. Não adoce desesperanças. Assim não se adoece. Assim se entende as testemunhas de Jeová e sua peregrinação de domingo. Assim se entende os que sonham com Cuba e passam férias na Euro Disney. Assim se assina uma carta que se sabe que retornará. Como quando crianças em frente ao parque de diversões. Sob o medo de altura. É preciso acreditar disse a professora. Não fazer nada cansa. Não fazer nada câncer. E eu não consigo encontrar subentendidos. A direteza daquela mulher tem me abalado desde então. Foi uma pedra fincada em meu peito. Esperando para passar por mim. Pode ser que eu seja o pó retornável. Experiências diluídas a vácuo. Mas não pretendo ir antes de cumprir uma promessa. Antes de atravessar o portal daquela cidade morta. Antes de ler todos os jornais esquecidos na praça. Antes de consultar e decorar todas as listas telefônicas guardadas sob o balcão. Sempre que o tempo urge é preciso pará-lo. Domá-lo. E a quem mais cabe tal tarefa? O homem abandonou a torre há muito eu soube. Porque descobriu que o sino morreu na primeira semana. Mas não quis perder o efeito de sua subida. Agora ele é deserto. Resistindo. Aniquilando o tempo em seu próprio domínio. E sempre que dorme soluça baixinho seu badalo de saudade.

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domingo, 20 de janeiro de 2008

Explosivo

Explodiria se pudesse. Naquela hora mesmo. Sem nenhum medo de conseqüências. Porque conseqüências só se dão quando há rastro, quando há medo e uma terceira coisa que escorre entre as pernas. Então não havia gatilho. Empunhou a espada mesmo. A que herdara de um passado grudento e sedento. Cortou sete cabeças, matando o mesmo dragão. Seguiu adiante e desligou o aparelho de tevê. Teria dito algo se tivesse o que dizer. Todos sabiam de suas saídas e de sua rotina de herói. Desde que havia explodido da última vez ninguém o questionava. Respiravam devagar na sua presença. Ele pensava em consertar isso, mas sempre deixava pra depois. Agora tomava sua xícara de chá para tentar dormir. Por vezes tinha saudade dos lençóis de outras partes do mundo. Das outras camas em que dormira ou apenas passara a noite. Mas esse era um passado mais que perfeito. Construíra esse agora com a convicção que todo herói deve ter. Uma convicção sempre pronta a ser abalada. Pra renascer mais forte e mais teimosa. Sabia que o tipo do herói é muito limitado. Se lembrava de outros tempos. Até a vinda do mestre. Aquele que nos enlaça e desgraça nossas vidas. Que nos faz ganhar e perder companheiros. Que se orgulha de nós e mostra que há nobreza na lama. Depois ele morre na mão de algum inimigo e você tem sempre que honrar sua memória. Não se tornar igual ao inimigo. Preferia o tempo dos cortes apenas. Quem sobrasse em pé apenas ia pra casa. Não havia tantas questões. Era só um tempo de experimentar. Não havia isso de sujar as mãos. Espadas eram espadas e quando tentadas elas tinham vida própria. Hoje tudo é proibido. E sempre há uma senha pra se digitar. Explodiria ali mesmo. Se pudesse. Mas seria inexplicável. Um herói tão distinto tão legítimo. Com a mente dominada. Provavelmente isso. Nada explica que alguém queira simplesmente explodir. Explodiria se pudesse. Se ousasse ter que dar respostas. Mas assim são os heróis. Essa carcaça por dentro. Esse coquetel de culpa e pânico. E, bem lá no fundo, medo de ser deixado. Esquecido. Uma lenda. Cravaria ainda a espada em quantos dragões fosse preciso. Abdicaria de si pelo bem maior. Como se já não o tivesse feito. Como faz toda noite. Deita-se e esquece os minutos dormidos. Nem o simulador de normalidade resolve mais. O Panteão lhe prometeu férias para breve. Mas há sempre uma grande ameaça rondando o mundo. Nessa hora sempre inveja os vilões, que sempre conseguem ser genuínos. Amava os vilões. Tinha orgasmos quando matava algum. Mas mais do que eles, amava uma heroína. Aquela que sempre lhe fazia explodir. Sacou a espada e cortou a própria cabeça. As chamas se espalharam rapidamente e tudo foi pelos ares. Quando sua nova cabeça aparecesse, ia ter que dar explicações. Mas, quer saber? Fodam-se!!!


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sábado, 12 de janeiro de 2008

Dancete

Hoje eu não quero a música que vem da rua. Quero a música aqui de dentro. Quero o som de sinapses. Sons que se pensam. Sons que pesam. Mais que isso. Quero painéis de sons estendidos em varais. Contando uma história que nunca pode ser linear. Quero a opacidade inverossímil de um lamento. Um trajeto outro. Um projeto inesgotável. Ouro em pó trazido das minas. Quero extirpar sinais que se cruzam. Pra que não haja infinito. Prática – não aja – sentido. De início o fim da umidade nas meias. As meias unidades de silêncio. Os meios de a humildade vingar-se. O pior castigo. Sem cruz pra humanidade. Que o eco nada traz. Demonstra o vazio alhures que se perde. Na linha da própria voz. Na esquina do universo. Onde deuses desempregados batem carteiras. E os monstros procuram subempregos. Não há mais necessidade de pregos. O anjo mecanizou o dia e a noite e saiu de férias. O último posto da burocracia divina. Então eu não quero música alguma. Danço comigo mesmo. Que me basto. Cismando em não arrastar os pés. Preso a uma inércia medieval. Comparo e compro e comprovo. O novo passou. Estourou-se o ovo de Colombo. E a floresta tem placas e irregularidades. Talvez o canto de um melro, não, de um mero pardal, emocione os descobridores dos escombros. Porque hoje sou inteiro demais pra observar. Para ouvir me exilei. Sem êxito voltei. E reluto em combater. Porque não há mais dois lados. O em cima do muro da moeda. E um tédio que não compra nada. Como não bebo no chafariz do seu sorriso. Como não como na tua mão. Como, arisco, evito o que sei que fere. Ferre-se esse tempo perdido. Todas as tripas mostradas em barracas dizem um futuro que canta na mudez. Arrisco uma tradução e um nome evade a cena. Um homem invade a sala e se estoura contra a parede de vidro. Há acordes que nunca soaram e morrem em sua mente. Música de miolos que escorre pela manhã. Eu queria sonhar. Com Marilyn Monroe dançando em frente ao carro incendiado ao lado da loja maçônica ao lado do prédio ao lado da minha casa. Queria sonhar três coisas nesta noite. Enquanto ela dança. Com o medo de acordar nu no meio da rua. Com o cão negro que abandonou meus sonhos de criança. E com uma terceira que o silêncio carcome durante o dia e vomita de noite. Esta noite estou farto de testes. Quero expor meu corpo a Delírio e deixar que o uníssono pereça na carcaça vazia sobre a calçada.


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