quinta-feira, 17 de abril de 2008

Esculpido

Onde andou minha voz. Essa puta maldita. Cansada de promessas de Armagedon. Onde amarrou seus burros. Seus vícios. E uma terceira idade sempre escondida. Quem poliu minha voz. Quem pulou minha voz na sarjeta. E sorriu. Quem empalou minha voz com uma gorjeta. Quem liderou o projeto que a liberou. De mim restaram pregas mortas. Não mais cordas soltas. Morreu o violão. Não mais notas tolas. Eu fui o vilão. E a surpresa gorou na véspera. Espera até o final. Espera teu final. Os fracos dormem mesmo sem sono. E correm todo dia o dia todo. Os fracos adoram o sêmen do dono. E morrem todo dia o dia todo. Menos ela. Que prepara o café. Não sabe de nada. Da força que tem não desconta em ninguém. Não sabe se sofre. Porque não quer saber. Porque não sabe. Porque não precisa saber. Seu nome são muitos. Seus nomes são mantos. Seus dons são santos. E ela apenas prepara o café. Muda de tudo. Em câmera-lenta. É o ensaio perfeito. Insidioso namoro da lente. Mas ela tem decoro. E nenhuma pressa. Ela não existe. Talvez sino. Talvez vitrine. Quem escalpelou minha voz. Quem lhe alterou a vazão. Quem em vôo rasante. Despeça-se o agora. Dispa-se o restante. Dissipe o resgate. Despiste o tirano. Tirando ela. Orgia nunca restituída. Quem seduziu minha voz. Quem amou e torturou. Quem levou-a ao limbo. Pra sempre muda. No espelho de todos os tempos. Quem aquelas mãos que. Quem esculpe o escorrer da lágrima. Pois a voz chora. Desculpa esfarrapada. Permaneça e permaneça. Gesto inalterado. Como grito acenado. Aceitando. Acato e me desarmo. Porque amo. Quem aquelas mãos que. Quem aquelas mãos que. A voz retida em tom sincero. Assevero que morro. Mais que um dia. Morro todo dia. Morto todo o dia. Quem aquelas mãos. A voz retida em som sintético. Anestético tema. Teima minha querida. Teimosia também canta. Ela encanta. Fazendo o café apenas. Dispensa sabor. Catequiza o calor. Despede o freguês. Hoje o dia é só dela. Quem aquelas mãos que. Sintomas de outono. Outro disco voador. Sim. Tomas os comprimidos. Que a voz volta. Que a voz solta. Que a voz arrota. Que a voz torta. Que a voz... morta ela despede-se de si. Apenas o vagar. Não importa a cozinha. Não importa sozinha. O tempo pára por aqui. Em emissões que dispersam. Essa franqueza dita real. Ela persegue a fraqueza. E serve mais café. Quem aquelas mãos que. Quem aquelas mãos que. Desserviços imprestáveis. E o ranço de uma noite lenta. Quando a voz retorna modorrenta. E retoma o controle. E remonta o rancor. E acorrenta o celibato. E solta seu hálito. A voz é só hábito. Mas quem aquelas mãos que. Habito. Quem aquelas mãos. Quem aquelas mãos que. Desisto.

6 comentários:

Binho disse...

Humm... forte e denso o texto. Gostei. Virou quase uma prosa poética

Telma Scherer disse...

muito bom texto, muito bom! manda pra concurso, te liga na bolsa da fundação biblioteca nacional. e continua.

Anônimo disse...

Parece que você deveria musicar isso.
Trechos disso. Tudo isso.
Ficou deveras musical.

Lembrou Itamar.

Bom, muito bom.

Unknown disse...

Então... concordo com o que foi dito, aliás, sou até suspeita.
Você é genial, as coisas que escreve são excelentes.
E vi muita música nisso tudo.

Um grande abraço amigo,
Saudades sempre

Anônimo disse...

Olha moço,
estou aqui pensando, e quase sem palavras, que lindo!
Eu, bom, nunca vi tantos pontos afirmando poesia de ser e tanta vida! Belíssimo!Parabéns.
beijão pra ti.

Anônimo disse...

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