sábado, 26 de janeiro de 2008

Deserção

Como uma porta que se abre e encaixa dois mundos que nunca quiseram ser o mesmo. Um dentro, um fora e um terceiro e inexistente vão que teima que existe. Onde isso de matar o tempo através da areia que se deposita na pele. Desertos ardem na intolerância de inúmeros aprendizes. Desertos desistem na calma sem horizonte do mestre. Como a pedra que viaja no tempo. Rumo ao fim dos relógios. Havia um homem nu numa torre. Ele dizia que o sino jamais badalaria as horas novamente. O tempo estava morto. E de fato aquele homem nunca morreu. É preciso fazer as coisas que apetecem ao lado inquebrantável do espírito. Não adoce desesperanças. Assim não se adoece. Assim se entende as testemunhas de Jeová e sua peregrinação de domingo. Assim se entende os que sonham com Cuba e passam férias na Euro Disney. Assim se assina uma carta que se sabe que retornará. Como quando crianças em frente ao parque de diversões. Sob o medo de altura. É preciso acreditar disse a professora. Não fazer nada cansa. Não fazer nada câncer. E eu não consigo encontrar subentendidos. A direteza daquela mulher tem me abalado desde então. Foi uma pedra fincada em meu peito. Esperando para passar por mim. Pode ser que eu seja o pó retornável. Experiências diluídas a vácuo. Mas não pretendo ir antes de cumprir uma promessa. Antes de atravessar o portal daquela cidade morta. Antes de ler todos os jornais esquecidos na praça. Antes de consultar e decorar todas as listas telefônicas guardadas sob o balcão. Sempre que o tempo urge é preciso pará-lo. Domá-lo. E a quem mais cabe tal tarefa? O homem abandonou a torre há muito eu soube. Porque descobriu que o sino morreu na primeira semana. Mas não quis perder o efeito de sua subida. Agora ele é deserto. Resistindo. Aniquilando o tempo em seu próprio domínio. E sempre que dorme soluça baixinho seu badalo de saudade.

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domingo, 20 de janeiro de 2008

Explosivo

Explodiria se pudesse. Naquela hora mesmo. Sem nenhum medo de conseqüências. Porque conseqüências só se dão quando há rastro, quando há medo e uma terceira coisa que escorre entre as pernas. Então não havia gatilho. Empunhou a espada mesmo. A que herdara de um passado grudento e sedento. Cortou sete cabeças, matando o mesmo dragão. Seguiu adiante e desligou o aparelho de tevê. Teria dito algo se tivesse o que dizer. Todos sabiam de suas saídas e de sua rotina de herói. Desde que havia explodido da última vez ninguém o questionava. Respiravam devagar na sua presença. Ele pensava em consertar isso, mas sempre deixava pra depois. Agora tomava sua xícara de chá para tentar dormir. Por vezes tinha saudade dos lençóis de outras partes do mundo. Das outras camas em que dormira ou apenas passara a noite. Mas esse era um passado mais que perfeito. Construíra esse agora com a convicção que todo herói deve ter. Uma convicção sempre pronta a ser abalada. Pra renascer mais forte e mais teimosa. Sabia que o tipo do herói é muito limitado. Se lembrava de outros tempos. Até a vinda do mestre. Aquele que nos enlaça e desgraça nossas vidas. Que nos faz ganhar e perder companheiros. Que se orgulha de nós e mostra que há nobreza na lama. Depois ele morre na mão de algum inimigo e você tem sempre que honrar sua memória. Não se tornar igual ao inimigo. Preferia o tempo dos cortes apenas. Quem sobrasse em pé apenas ia pra casa. Não havia tantas questões. Era só um tempo de experimentar. Não havia isso de sujar as mãos. Espadas eram espadas e quando tentadas elas tinham vida própria. Hoje tudo é proibido. E sempre há uma senha pra se digitar. Explodiria ali mesmo. Se pudesse. Mas seria inexplicável. Um herói tão distinto tão legítimo. Com a mente dominada. Provavelmente isso. Nada explica que alguém queira simplesmente explodir. Explodiria se pudesse. Se ousasse ter que dar respostas. Mas assim são os heróis. Essa carcaça por dentro. Esse coquetel de culpa e pânico. E, bem lá no fundo, medo de ser deixado. Esquecido. Uma lenda. Cravaria ainda a espada em quantos dragões fosse preciso. Abdicaria de si pelo bem maior. Como se já não o tivesse feito. Como faz toda noite. Deita-se e esquece os minutos dormidos. Nem o simulador de normalidade resolve mais. O Panteão lhe prometeu férias para breve. Mas há sempre uma grande ameaça rondando o mundo. Nessa hora sempre inveja os vilões, que sempre conseguem ser genuínos. Amava os vilões. Tinha orgasmos quando matava algum. Mas mais do que eles, amava uma heroína. Aquela que sempre lhe fazia explodir. Sacou a espada e cortou a própria cabeça. As chamas se espalharam rapidamente e tudo foi pelos ares. Quando sua nova cabeça aparecesse, ia ter que dar explicações. Mas, quer saber? Fodam-se!!!


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sábado, 12 de janeiro de 2008

Dancete

Hoje eu não quero a música que vem da rua. Quero a música aqui de dentro. Quero o som de sinapses. Sons que se pensam. Sons que pesam. Mais que isso. Quero painéis de sons estendidos em varais. Contando uma história que nunca pode ser linear. Quero a opacidade inverossímil de um lamento. Um trajeto outro. Um projeto inesgotável. Ouro em pó trazido das minas. Quero extirpar sinais que se cruzam. Pra que não haja infinito. Prática – não aja – sentido. De início o fim da umidade nas meias. As meias unidades de silêncio. Os meios de a humildade vingar-se. O pior castigo. Sem cruz pra humanidade. Que o eco nada traz. Demonstra o vazio alhures que se perde. Na linha da própria voz. Na esquina do universo. Onde deuses desempregados batem carteiras. E os monstros procuram subempregos. Não há mais necessidade de pregos. O anjo mecanizou o dia e a noite e saiu de férias. O último posto da burocracia divina. Então eu não quero música alguma. Danço comigo mesmo. Que me basto. Cismando em não arrastar os pés. Preso a uma inércia medieval. Comparo e compro e comprovo. O novo passou. Estourou-se o ovo de Colombo. E a floresta tem placas e irregularidades. Talvez o canto de um melro, não, de um mero pardal, emocione os descobridores dos escombros. Porque hoje sou inteiro demais pra observar. Para ouvir me exilei. Sem êxito voltei. E reluto em combater. Porque não há mais dois lados. O em cima do muro da moeda. E um tédio que não compra nada. Como não bebo no chafariz do seu sorriso. Como não como na tua mão. Como, arisco, evito o que sei que fere. Ferre-se esse tempo perdido. Todas as tripas mostradas em barracas dizem um futuro que canta na mudez. Arrisco uma tradução e um nome evade a cena. Um homem invade a sala e se estoura contra a parede de vidro. Há acordes que nunca soaram e morrem em sua mente. Música de miolos que escorre pela manhã. Eu queria sonhar. Com Marilyn Monroe dançando em frente ao carro incendiado ao lado da loja maçônica ao lado do prédio ao lado da minha casa. Queria sonhar três coisas nesta noite. Enquanto ela dança. Com o medo de acordar nu no meio da rua. Com o cão negro que abandonou meus sonhos de criança. E com uma terceira que o silêncio carcome durante o dia e vomita de noite. Esta noite estou farto de testes. Quero expor meu corpo a Delírio e deixar que o uníssono pereça na carcaça vazia sobre a calçada.


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