segunda-feira, 18 de junho de 2007

Recanto

Aqui dentro moro Eu. Dentro de mim. Assim como quem não quer. Assim como viver numa represa. Chove há muito por aqui. Nada que sirva às plantas. Transbordam palavras que não tem papel nem língua. Aqui dentro há três coisas pra sentir. Amor, fome e uma terceira que ainda se esconde. Não amo nenhuma delas. Não totalmente que isso é estar pronto pra morrer. Mas até que queria. Assim, isso seria direto, sem rodeios, com ações intrínsecas e carros capotando. Acho que tenho muito medo da fome. Não da minha. Mas de alguma que possa me rodear. Amar uma fome pode ser muito perigoso. Por isso, talvez, amo o medo. Pino da granada e válvula de escape. Essas metáforas da vida afora. Filosofia de comédia romântica, o espírito do nosso tempo. O medo se multiplica quando e porque é mutilado. Eu moro aqui dentro. Sem nenhum objetivo grandioso. É o que costumo dizer. Grande potencial. É o que costumam dizer. É preciso costurar a manga e comprar botões. Aqui dentro moram braços e pernas e uma barriga saliente. Comprar é palavra que faz bem. ‘É bom’. Aqui dentro mora uma fera. Um anjo, me disseram. Ainda bem que não tenho a espada de fogo. Minha justiça seria míope. Uma canção agora soaria falsa. Como muitas febres que salvam o dia. Lá fora há um Império de sentidos e imperfeições. Aqui dentro eu abstraio e traio a tantos perdões. Porque quando acaba o limite não há mais porque gritar. Hoje pensei sobre o choro. Fora filmes bobos e quando meu pai saía e eu temia que nunca mais voltasse, chorei duas vezes um choro copioso e soluçado. Uma por você outra quando ele não voltou mesmo. Então acho que foi aí que me ilhei. E tudo parece com a pilha acabada. Eu queria contar uma história. Da casa que cai. Do menino que cresce. Mas é a casca que cresce e o menino que encolhe. Vira feto na última idade. Talvez reconheça o afeto que o cerca. Mas tem medo e orgulho de dizer que lá no fundo isso seja algo próximo de ser feliz. Porque quando a porta se fecha os outros estão lá, de barriga cheia e peles coradas. Ela devia saber disso. Que há sempre uma porta fechando. Talvez seja hora de fechar a minha. Ou talvez quebrar a casca. Abrir as comportas e chorar uma terceira vez. Copiosa e soluçadamente. Porque não há solução pronta em tamanho P, M e G. Há espaço pra mais um desde que o outro saía, enquanto milhares dizem em uníssono que aqui dentro moro Eu.

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