sábado, 4 de agosto de 2007

Encanto

Sempre há um mundo pra salvar. Desde que ele não seja aquele que você deseja. Gosto de vê-la andar pelas ruas. Acho que ainda não me acostumei. Mas há um planeta lá fora. E a planta de um novo prédio aflora. Olho com tédio as vidraças azuladas. Grandes moscas varejeiras. Mas quem vai dizer que o mundo não é isso? Um grande mercado repleto de moscas de existências fugazes. Quando for tarde demais, todos vão dizer. Ou todos teriam dito. Ou todos gritariam. Mas seria um grito mudo. Ou um grito pra ouvidos surdos. Aquela casinha estava lá descascando. A árvore foi a única a comparecer ao seu próprio funeral. Guardava seu corpo pela noite que se fazia. Há sempre um mundo pra salvar. Da fome. Do amor. E de uma terceira coisa cuja temporada ainda não chegou. Há essas pequenas coisas. Mais visíveis que grandes tragédias. Alguém tem que falar delas. Das histórias ínfimas. Um menino no supermercado dia após dia. O cão de rua atropelado. A natureza que a cidade cobre de concreto. A beleza de tudo isso. Não há isso. Não há nada de beleza. Se engana quem não vê. Categoricamente, há carros passando. Poucos. Há uma lua: outdoors. Nesse momento, quase me sinto americano. Herdeiro legítimo do mundo. E é isso que querem me tirar(?) Como isso pode ser dividido(?) É preciso salvar algo. Talvez apenas algumas consciências. Talvez a minha. Talvez a dela. E o clichê de salvar a sua. A lua está muito longe. O que fazer pra nos livrarmos dela? O que fazer pra livrá-la das pegadas? Talvez seja culpa da Poesia. A lua romântica se misturando ao concreto. Rendendo um verso (ainda) sem sabor. Gosto de vê-la caminhar pela rua. Porque ela me mostra a cidade dos seus olhos. Me pergunto se ela vê a minha cidade. Qual a importância de uma borboleta pra minha cidade? Há uma pequena magia disso ser uma gota de orvalho na ponta de uma folha. Pronta a lançar-se, comungar com a calçada cimentada. Há um feitiço vindo disso. Da lua ciumenta de seu reflexo estampado na poça da rua. Agora que os poetas dormem de meias e os astronautas não comem maçãs. Amanhã talvez venha uma criança que explique o que fazia na porta do supermercado. Hoje ela dorme. Indiferente à lua, São Jorge ou Dragão. Ela sabe do frio do chão. Amanhã talvez veleje ou jogue bola. E os noticiários anunciarão outro vencedor a encantar o mundo. Dificilmente algum poeta (antes que ele escorra com a lua numa boca-de-lobo).

2 comentários:

Senhor B disse...

Juniores, miguxo.
Muito bom ver que ainda há os que dedicam algumas horinhas a escrever sem desejos Lattentes.
Segue escrevendo; eu, lendo.

Grande abraço.
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Bk. Julio de Mattos disse...

Já disse o Tom (Zé): "o não é uma bênção" (para o artista). Poizé...
Diria q ficou muito boa mas, nesse tom, nada acrescetaria. Digo então que ficou razoável. Mas essa frase ficou genial (apesar de não entendê-la no contexto): "Agora que os poetas dormem de meias e os astronautas não comem maçãs."

De qualquer jeito, vale lembrar o bom e velho Raul: "não pense que a cabeça agüenta se você parar..."

Um grande abraço!

Julio "Burns"