sábado, 28 de julho de 2007

Parábola

Talvez fosse só plantar umas sementes. Depois se distribui e tudo será sanado. Sombra e tempo bom. Duas coisas sem precedentes. E uma terceira ainda germinando. Fazia calor naquela noite. E ela e a terra e a umidade. E uma ou outra alma viva. Talvez menos do que imaginava. Mas havia um limite. Um limite pra inércia. E as benzedeiras avisaram. Havia que mastigar o broto virgem da árvore grisalha. As intenções são óbvias. E não se culpe. Nem se desculpe. Ninguém sabe o que se ganharia com isso. Acabou-se a coleção de remorsos. Talvez um terceiro momento. Escondido entre os milhares de olhos e olhares. Talvez um terceiro tempo. Inaudito e inacabado. Fazendo-se ruínas por picardia. Destroços do melhor nunca desfrutado. O fruto que nunca foi original. Porque um anjo provou antes dos pecadores. E esse anjo morreu. E de suas asas se fizeram os pássaros. E de seus olhos foi feito o céu. E suas lágrimas encheram os mares. E seus cabelos viraram raízes. E de seus dentes se incrustaram jóias na terra. Que foi feita de suas cinzas. Das suas unhas se fez o homem. E a mulher brotou de sua língua. A última coisa que se sabe é que suas tripas tornaram-se serpentes. Egoísta assim. No melhor sentido do termo. E as plantas aqui estão. Entre vasos. Nos vãos dos prédios. As frutas aqui estão. Nos cestos, nas feiras, nas bocas, no chão, voltando ao anjo. E ela pacientemente ensina algo. Que possivelmente não adiante. Mas essa é a hora de gritar. A hora em que se tem vontade. Quando se necessita. Que grito calado vira pedra. Ataca os rins. Fere o coração. Então se misture à terra. Esse anjo morto em construção. De sangue esgotado em veias podres sem minérios. Meneia a cabeça e acende uma vela aos mistérios. Pode tudo aqui. Desde que haja fé. Essa fruta rara que floresceu do cérebro do anjo. E ela esfrega as mãos. E suja o rosto prazerosamente. Marcas de uma eternidade. E seu silêncio não será pecado. Porque não houve. Se ouve um berreiro. A multidão de uma voz. Eu tapo os ouvidos. Egoísta sim. Porque é bom olhar o que se quer dividir. Pra não passar adiante a parte podre. Ela sorri e comenta minha mudez. Nunca nu como o anjo morto. Corpo revirado em estradas e túneis. Mas há os bravos. Não eu. Talvez. Que fujo e me distancio. Que acendo velas sem porquês. Que aprendi a olhar as coisas como criança. Pra depois deformá-las com os olhos de adulto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fazia tempo que eu não lia algo tão intenso e sensível no mesmo texto.
Eu diria nada menos que brilhante, mas sou suspeita porque adoro a maioria das coisas que tu escreves. "Não eu. Talvez. Que fujo e me distancio. Que acendo velas sem porquês."
Parabéns